sábado, junho 12, 2004

O virtuoso escravizado

Existe, numa determinada saída do Metro lisboeta, um virtuoso tocador de acordeão. É tão agradável passar por ele, no meio de toda a gente muito apressada para chegar ao emprego ou para ir almoçar, como formigas, sem se aperceberem que estão a passar por cima de um quadro do Rembrandt ou sem ver que vão ser esmagados por um pé gigante. O som de uma valsa na multidão é completamente surreal. As pessoas parece que se olham umas às outras prestes a desatar a dançar.
Fado em Lisboa, bem tocado, com ritmo, sem lamechices de pedinte, sem o ar de pobre diabo. Às vezes acho que só os turistas é que apreciam o trabalho deste destemido virtuoso.
O estranho nesta personagem é que perto dele está sempre uma senhora de olhar sério e um enorme saco de plástico na mão. Parada a uns metros do tocador de acordeão. Esta segunda figura parece muitas vezes comandar o rapaz e de vez em quando vai-lhe esvaziar a caixa das moedas. Esta figura maternal tem um ar maléfico de viúva do diabo, que paira sobre um inocente músico… Sinto quase que estou na presença de uma situação de escravatura musical familiar.
Enfim, mais uma personagem das ruas.

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