sexta-feira, dezembro 19, 2003

O honrado e talentoso aposentado

Uma personagem muito poética costuma marcar presença frequentemente na Rua do Ouro, à porta da loja de uma multinacional de roupa feminina.
É um senhor cego, muito bem vestido, já de idade. Toca guitarra tradicional portuguesa.
É agradável vê-lo tocar. Tem uma aura de poeta, de acreditar no tempo da honra e do talento.
Treme como varas verdes, devido à idade; o cabelo branco que o diga.
É das minhas personagens lisboetas preferidas, merece sem dúvida uma visita. Este sim, merece menção e visita e generoso contributo monetário, porque este senhor tem uma postura nada deplorável, muito sério, compenetrado e solene.
Debita notas como um gramofone antigo, mas mais que a sua musicalidade, a sua presença impõe respeito. Faz-me ficar orgulhoso do raio dos velhos que “vêem” este país crescer.
Merecia um lugar mais silencioso. É realmente muito frustrante sentir que só a dois passos dele se conseguem distinguir as notas, porque ele está sentado na Rua do Ouro a três passos da estrada. Apetecia ouvi-lo na Bica, na Mouraria ou na entrada dos Jerónimos… desde que tivesse cuidado para não apanhar alguma gripe esquisita dos orientais que por lá passam todos os dias!

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